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Um texto sobre o nada

Este texto foi escrito por mim em abril de 2019, para uma disciplina da faculdade.      Em uma das infinitas dimensões possíveis havia um universo. Nele havia uma porção de espaço sideral ligeiramente conhecida, onde havia uma galáxia. Para fins astrofísicos essa galáxia era dividida em braços.      Em um dos braços (um bem periférico) havia um sistema que orbitava uma estrela considerada pequena. E era assim que eu teria começado este texto se eu tivesse inspiração suficiente para continuar escrevendo a partir daí. Mas não tenho. Então escrevo este texto sobre o nada, diretamente de um apartamento de 60 metros quadrados ou menos, localizado num bairro de classe média na cidade de João Pessoa. Todas essas informações significam o mesmo que nada para os outros planetas que orbitam o mesmo sistema que eu, no mesmo braço da mesma galáxia da mesma porção mapeada de espaço sideral que eu.      É difícil escrever um texto sobre o nada. Eu não sabia...

Jefferson, o sôfrego escritor meia-boca de um conto só

     Fazia um inverno infernal neste inferno de cidade. Não sabia nem o que fazia ali, mas continuava ficando, e ia ficando e maldizendo e refletindo que o inferno não é quente, mas este frio fino, malcheiroso, apertado e encolerizante que fazia agora. Tinha também algumas outras certezas que não interessam a este texto. Este é um texto sobre outra coisa.      Pediram-no que escrevesse um romance, daqueles longos, complexos, comerciais-mas-nem-tanto. Não conseguia. Já tentara a máquina, o computador, o papel, meditação guiada e trocar as meias furadas e incensos e chás e tudo o mais. Nada aliviava o frio. Saiu para comprar cigarros, mas nem fumante era.     O vendedor era um cara miúdo, gorducho-mas-não-muito, mal encarado. Tinha o nariz torto para o lado esquerdo, sem nenhuma cicatriz, isso dava raiva. Nariz torto tinha que ter história. Nariz torto sem cicatriz era um cachorro que caiu da mudança, um erro, um desperdício de poeira espacial, um s...

Mais um dia seguinte

O textinho a seguir foi escrito em 2012, em conjunto com o  Daniel Bovolento, dono d o blog  Entre todas as coisas . Para acessar a postagem original no blog dele é só clicar  aqui . – Você deu três voltas no quarteirão e não bateu a porta. Você voltou de fininho e nem tirou a minha camisa amassada. Você deitou de novo e fingiu que nem tinha acordado… Por que você decidiu não ir embora? –  Fui comprar pão, hora nenhuma pensei em ir embora. E, a propósito, seu leite está vencido, já passou da data há um mês. Comprei mais. Se é que você se importa. Não gostei de ontem à noite. –  Não gostou de mim ou do jantar? Eu não compro leite com frequência. Tô há uns dias sem tempo pra fazer compras. Tá vendo os números pendurados na geladeira? São de delivery. Mas diz… De mim ou do jantar? – De tudo. Do lugar, da sua roupa, do seu cheiro. E sobre os números na geladeira, cansei deles também. Você anda muito distante. – Eu ando por aqui, ué… Tenho trabalhado muito, te mandei...

Pra não dizer que não falei do novo

O textinho a seguir foi escrito por mim em 2013 e foi publicado no blog Entre todas as coisas , do Daniel Bovolento, um escritor que admiro. Para acessar a postagem original no blog dele é só clicar aqui . –      Eu vi o que você fez ao final daquele livro… –      Que bom que leu. –      Vi o que tem feito a você mesma, também. Tentando se punir. Como se a culpa fosse sua. Como se houvesse culpa alguma… Ela o interrompe – Como se fosse de saudade. –      E é? Você não sente saudade. –      Não sentia. –      E por que haveria de sentir agora? –      Por causa da linha do queixo. Ele não entende. (Nunca entendia.) Ela percebe. (Sempre percebia.) –      A linha do seu queixo. Sua linha do queixo… E como você me tira da linha. E o encaixe da sua perna e a dobrinha do joelho e a cicatriz perto ...
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  Guardo este blog com um carinho especial pela pessoa que fui e pela pessoa em que me transformei, certa de que aqui estão gravados pequenos trechos de sentimentos sinceros que há muito me acompanham.

Um grito silencioso

Passam por mim e não veem. Me olham e não me enxergam. Não me ouvem. Não me conhecem. Não me sentem. Não se aproximam. Não sou o vento. Não sou Amor. Não sou partículas em suspensão. Não sou uma campanha publicitária na internet. Não tenho cor. Não tenho nome. Não sou cidadão. Não sou uma frequência de rádio. Não sou barulho. Não sou vida. Dia desses perguntaram quem eu era - curioso, não?! Sou o canto da sarjeta. Sou 16 milhões de brasileiros. Sou moeda quente. Sou um olhar pelo canto do olho. Sou 3,1% dos jovens deste país. Sou o esquecimento dos políticos. Sou a desigualdade social. A concentração de renda. Sou pão velho. Roupa furada. Uma ajuda, moça, um prato de comida, por favor? E lá se vai a moça fingindo que não é com ela. Que não ouviu direito. (Só mais um bêbado vagabundo!) Sou doente terminal há mais de 20 horas na sala de espera. Sou falta de saneamento básico. Sou sistema educacional precário. Sou um país inteiro. Sou filho de uma nação [fantástica?]. Sou carna...

Ode ao salto agulha

O problema não era a unha do dedão meio descascada no cantinho esquerdo. Talvez o problema fosse a ponta dupla do cabelo e a hidratação que ficou por fazer - mas acho que não. O erro não estava no pneuzinho da cintura. Academia semana que vem, prometo! Talvez fosse a TPM. E a conversa no ônibus daquelas duas moças de salto fininho. Você vai pedir pra voltar? Lógico que não, né, amiga? Onde já se viu? Mulher correr atrás de homem?! Ele que venha atrás... Isso aí, querida, porque você sabe; vai que ele se acomoda e aí já viu, né? Pois é, vou ficar igual a Marcela, que vai atrás do namorado em todos os cantos. Tem que se dar o valor! O problema devia ser o calor. O problema talvez fosse a porcaria do celular que não quer colocar aspas e o texto que sai meio pulando pra fora e as coisas na cabeça o trabalho da faculdade a falta de virgulas a falta de acentos a sobra de preguiça o almoço corrido o nao que ouviu semana passada a menstruaçao atrasada cade os acentos do meu celular? ...