Azul.

Provavelmente já escrevi sobre isso. Muitas vezes. E se nunca registrei em palavras, de certo já marquei no vento o que estou prestes a contar.
É que há muito tempo, não sei quanto - é tempo suficiente para o tempo não ser o mais importante na história -, meu pai se sentou comigo pela janela. Pelo o que diz a história e minhas fitas de vídeo antigas, isso acontecia muito. Todos os dias após o almoço, mais precisamente. Gostaria de me recordar de todas estas ocasiões. Mas não consigo. Lembro-me, entretanto, de uma única vez, em especial.
"Olha quem veio brincar com você, Carol!" Eu vejo os pássaros pela janela. O céu está do mais brilhante tom de azul. O cheiro é de verão. "Olha, Carol! Olha quem veio brincar com você!", a voz amiga repete.
O que vem depois é um grande espaço vazio, negro. Não me lembro de mais nada. Mas não me magoo por isso. Ao contrário: aquela janela, a lembrança dela, deu-me muito mais do que um passarinho com quem brincar. Deu-me o infinito.
E eu me pergunto se, naquela época, eu tinha noção do tamanho do mundo que havia além da minha vista. Se eu tinha medo dele.

Hoje me peguei sentindo falta daquela janela, do azul brilhante, dos pássaros. Encontrei-me com saudade daquela voz, perto de mim. Do cheiro de verão.
Pela primeira vez, eu temi o infinito que havia além daquele arranjo emoldurado de madeira e vidro.
E tive vontade de fazer algo inusitado: escalar. Pular a janela.
Jogar-me no desconhecido, na dimensão repleta de aventuras que, durante todo esse tempo, só fazia me esperar.

"Olha, Carol! Olha quem veio brincar com você!" 




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