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Azul.

Provavelmente já escrevi sobre isso. Muitas vezes. E se nunca registrei em palavras, de certo já marquei no vento o que estou prestes a contar. É que há muito tempo, não sei quanto - é tempo suficiente para o tempo não ser o mais importante na história -, meu pai se sentou comigo pela janela. Pelo o que diz a história e minhas fitas de vídeo antigas, isso acontecia muito. Todos os dias após o almoço, mais precisamente. Gostaria de me recordar de todas estas ocasiões. Mas não consigo. Lembro-me, entretanto, de uma única vez, em especial. "Olha quem veio brincar com você, Carol!" Eu vejo os pássaros pela janela. O céu está do mais brilhante tom de azul. O cheiro é de verão. "Olha, Carol! Olha quem veio brincar com você!", a voz amiga repete. O que vem depois é um grande espaço vazio, negro. Não me lembro de mais nada. Mas não me magoo por isso. Ao contrário: aquela janela, a lembrança dela, deu-me muito mais do que um passarinho com quem brincar. Deu-me o infinito....
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A última coisa que busco fazer nessa vida é sentido. . 

Infinito momentâneo

          Chegou em casa e se desfez de tudo que não lhe soava bem. Tudo o que era áspero e ácido. Atirou ao chão todas as pseudoafirmações que talvez em tempos longínquos houvessem sido suas mais concretas certezas.             Vestiu-se de estrelas e com elas brilhou a noite de lua cheia que outrora iluminara sua silhueta em meio a tantas promessas inúteis.           Pintou no dia que havia se deitado há muito a sabedoria que adquirira. E jogou-se em uma outra dimensão; o seu infinito. Mergulhou no mar que mais gostava (e que tantas vezes temia): sua alma.           Agora via-se completa. Continha em si o suficiente. A fórmula que necessitava.           Abriu um sorriso e se lembrou o quanto era bom dar risada.  . 

"A ausência é um estar em mim"

Tua presença tão discreta inunda o dia, que começa nesse instante - sei porque sinto o calor da manhã brilhar nas flores e beijar-me a face. E conforme teu dedilhado carinhoso faz-se transformar em música, agarro a tua inexistência tão exata e presente. Respiro teu ar tão escasso e sinto teu cheiro. Madeira. Café amargo. Flor do campo. O capim dourado que farfalha do outro lado da janela, canta comigo a tua melodia e nós, eu e você, tão incertos nessa dimensão oculta, somos. Dois, um, meio, nada. - Que diferença faz? O Sol faz reluzir o teu sorriso em mim, e, meu corpo e minh'alma, ambos entorpecidos com o teu sabor exótico e ausente, transformam-se em dança. Sua cor brilha em meio às palavras não ditas e transforma o novo dia em festa. É bom. O teu cheiro. Tua voz suave e macia - que me leva de encontro ao céu.   Sinto, sou, estou. Com você. Em você. Por você. Por nós. . 

Alzira Silva

Levantou-se e manteve-se ereta e em posição estratégica enquanto olhava em volta. Como um soldado a analisar seu campo de batalha. (E que batalha!) Podia ver vestígios da luta da noite passada em todos os lugares. Aliás, que lugar era aquele? Diferente. Não era como o Motel 4Estações, onde na cama, os corpos, embalados pelo calor das noites daquele janeiro, cediam espaço aos ratos. Era bonito. Havia uma bandeja no criado-mudo esquerdo. O lado em que ela dormia. Isso quando dormia. Porque ficava acordada todas as noites esperando o Sol se levantar e dar-lhe um beijo. Na bandeja haviam duas maçãs, alguns biscoitos e um copo com suco de laranja. "Geladinho", pensou. Questionou a si mesma que lugar seria aquele. Pôde ver refletida no banheiro uma toalha com o emblema do que ela julgara ser o lugar onde estava. Hilton. Havia dado sorte, então. Pensou no quanto sua conta bancária aumentaria. Pensou em João Mário, que já estava reclamando do ensopado que era posto na mesa todos o...

Palavras ocultas

Havia esperado por aquele momento. Não um dia, ou uma semana. Mas havia esperado por aquele momento a vida inteira, como as andorinhas esperam pelo verão. Havia passado e repassado o mesmo filme incontáveis vezes na mente, e já tinha certeza do que falaria. Certeza que, agora ela percebia, sumia como água que desce pelo ralo: rápida, sem fazer barulho ou deixar marcas. Mas ela não se importava. Aliás, talvez esse defeito seja o motivo para ter demorado tanto para o filme se tornar realidade: ela não se importava com as coisas. Em seu âmago, ela de certo se importava. Sua alma chorava ao ver a alma de outros chorarem - especialmente a dele. Mas era difícil perceber tais fatos. A menina não deixava transparecer. Seus olhos... Talvez eles fossem rios sem água, esperando por uma gota de chuva no deserto do Saara. Mas não naquele momento. Naquele momento, a menina já não era a mesma. Seria a chuva derretendo sua armadura de açúcar? O cabelo e as roupas. Ambos completamente molhados. E...

Chuva e céu azul

E então ele olhou sua face pálida, antes cheia de cor. Abraçou-a como se não houvesse mundo ao redor deles, quando na verdade havia: e um mundo lindo, aliás. Estavam no lugar de sempre. O lugar do início, o lugar do durante, e o lugar do fim. E que fim! Estavam na praia. Lembrou-se do que ela dissera dias antes, quando estavam, só os dois, como de costume, na mesma posição e no mesmo lugar: "Eu queria ser livre como as gaivotas". Uma lágrima beijava sua face e seu sal carregava a dor do que estava acontecendo. Colocou o ouvido próximo ao coração dela, mas não ouviu sua música. Não pôde escutar o seu cantar. Doce melodia que, dias antes, embalara a história dos dois. E que história! Cheia de intrigas, doce como o açúcar dos olhos dela e amarga como o limão dos olhos dele. Intensa, como o vermelho. O vermelho, cor da paixão duradoura, cor do vestido dela que ele mais gostava. Vestido que ela usava naquele momento. Seria para intensificar a dor dele? Óh, Deus, o quanto ele d...