Postagens

Gosto.

De quem não tem hora marcada. De quem causou a bagunça. De quem não repara nela. De quem ajuda a arrumá-la. De brincar descalço. De horário de verão. E cheiro de livro velho. De cor. De quem não entende e pergunta de novo. E de novo. Do que é novo. Do que é eterno. Do que nunca vai ser. De quem diz pra nunca dizer que nunca. De quem não sabe cozinhar. De quem sabe. De quem conta histórias. De histórias. De música gostosa. De dia ensolarado e gosto de azul. De chuva, também. Das pessoas que entram sem bater. Que não tiram o chinelo na porta e deitam no sofá e trocam o canal da TV. De quem liga sábado às 4 da tarde só pra ter certeza se. Vontade de. Como é que tá? De viagem longa e abraço apertado e mapa do caminho e reencontro. De quem volta. De quem entende que tem que ir embora. - Já diria o poeta que amar é voltar, mas, amar mesmo, amar muito, é partir. O bolo de aniversário. As alegrias e as tristezas e o barbante que a gente guarda meio abarrotados na gaveta de col...

O grande mito do "felizes para sempre"

"A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida está no amor que não damos, nas forças que não usamos, na prudência egoísta que nada arrisca e que, esquivando-nos do sofrimento, perdemos também a felicidade." Amo Drummond e não é de graça - ele faz por merecer. Excessos literários e purpurinas à parte (coisa rara de se ver por aqui, confesso), venho apresentar minha opinião sobre o grande fantasma do felizes para sempre que a sociedade nos enfia pela garganta e a gente acaba se deixando engolir. Então se prepare, porque lá vem. Delete do pensamento a sensação de que amor só é de verdade quando se mistura com paixão e envolve duas pessoas.  Não é assim. Aliás, esse tal amor carnal é uma das variações do Amor Maior (sim, em letra maiúscula!) e não, ele não é o segredo da felicidade. Esqueça os filmes e os livros e a mídia e toda a ideia de que o futuro traz felicidade. Ele não traz.  O para sempre também não é o segredo da felicidade. E devo mencionar que...

Carta à surpresa

Das milhões de coisas que poderiam passar pela minha cabeça quando o avião decola, a que mais me fascina é olhar para as luzes e imaginar o que estariam fazendo as pessoas debaixo delas. Estou olhando pela janela agora e caramba!, você iria adorar esta vista. Iria rir comigo dos pontinhos acesos, me perguntaria quantas pessoas eu acho que existem lá embaixo, se elas estão se arrumando para alguma festa e, caso estejam, se ainda dá tempo da gente descer e ir junto. Acho que felicidade é também um pouco disso: deixar-se surpreender. A gente vai perdendo essa capacidade com o passar do tempo e é por isso que queria você aqui agora. E que dorzinha no ouvido, hein? Você estaria reclamando dela agora. Talvez chorando. "Tô com fome". Essa ansiedade de quem não tem hora marcada pra nada, mas mesmo assim quer tudo ao mesmo tempo agora e para o último segundo. A gente vai perdendo isso também. Se eu pudesse devolver o livro que ajudava a realizá-lo mais rápido... Aliás, se eu pudess...

Livro de cabeceira

Pro que ainda não chegou, espaço. Pro que já se foi, história. Costumo largar livros bons pela metade. Não por não gostar ou por ter preguiça, não mesmo. É pelo fim. Não compreendo porque certas coisas boas acabam com um virar de página e por isso vou atrasando a leitura ao máximo, vou fingindo que não vejo o que se passa na trama... Tento esquecer dos personagens e de tudo o mais. Vez ou outra alguma palavra se desprende do texto e vem me tirar o sono, me sacodir a rotina. Tento embolá-la numa frase ao vento e não olhar pro livro empoeirando na cabeceira. Abro outro, mais um, largo tudo pela metade e me recuso terminar a emoção de ler o novo pela primeira vez. Pro que deu certo, outra dose. Pro que não deu, mais três. Juro que se você me olhar de novo, caminho até aí. Bonita camisa. Fica melhor amarrotada. Atravesso o continente do bar inteiro e vou aí te ver, eu juro.  Pros abraços perdidos, mapa.  Pros olhares cruzados, bom dia. Pros apertos de mão amedrontados, perdão...

O pouco que ficou do que teve de partir

Pode entrar e deixar a carteira na mesa. Pode abrir a geladeira e fazer uma cópia da chave pra você. Pode chegar à hora que quiser e não precisa bater antes de entrar. Aliás, não precisa nem ir embora, pode ficar por aí. Pode trocar os canais da TV, pode escolher o filme no cinema e não precisa pagar a conta no final. Eu pago, viu? Pode entrar no quarto e mudar as roupas de lugar, pode mexer nos meus papeis e bagunçar os documentos. Pode trocar a temperatura do chuveiro e usar minha escova. Eu deixo. Na verdade, te peço. Suplico. Fica do meu lado quando chover. Fica aqui quando o chão sujar, quando o domingo for longo e a programação da televisão horrível. Não sai daqui nem se lhe gritarem lá fora, fica aqui comigo e me lembra de quando você chegou, me explica porque foi embora e não me deixa dormir sem te contar porque te pedi pra voltar. Me ensina outra vez pra qual time a gente tem que torcer e porque o gol foi impedido. Escuta de novo as minhas perguntas bobas e olha: eu já sei ...

O adeus que eu nunca dei

Fechei a mala pela décima vez. Sou péssima em terminar as coisas, que fique claro de primeira. Não consigo terminar nenhum poema, tremo ao terminar relacionamentos e é por isso que terminar de arrumar a mala é sempre um serviço árduo. Talvez me seja complicado não só pelo trabalho em si: rolar um zíper pelo pano desbotado não exige tanta força. Acho que fechar malas é difícil por causa do que está por trás - a despedida. E, meu caro, se existe uma coisa impossível ao ser humano, devo apontar que despedidas são impossíveis a mim. Olhei no relógio. Os dias ficam mais corridos quando a mente não para no lugar. Acho que o grande problema da humanidade está dentro daquilo que não é dito.  Amaldiçoadas sejam as palavras que não saem. Arrependi-me de todas as frases que montei na mente e que não fui forte o suficiente para colocar pra fora. Arrependi-me mil vezes de ter ouvido a música e não ter cantado junto. Você ficou parado ao pé da escada enquanto eu rolava minha mala ...

A insustentável leveza do ser

"Desde sua mocidade, não fazia outra coisa senão falar, escrever, dar cursos, inventar frases, procurar fórmulas, corrigi-las, de maneira que as palavras nada mais tinham de exato, o sentido delas se apagava, perdiam seu conteúdo sobrando apenas migalhas, partículas, poeira, areia, que flutuava no seu cérebro dando-lhe enxaqueca, e que era sua insônia, sua doença. Teve então a vontade confusa e irresistível de uma música enorme, de um barulho absoluto, que englobaria, inundaria, esmagaria todas as coisas, que anularia para sempre a dor, a vaidade, a mesquinharia das palavras. A música era a negação das frases, a música era a antipalavra." A insustentável leveza do ser - Milan Kundera