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O pouco que ficou do que teve de partir

Pode entrar e deixar a carteira na mesa. Pode abrir a geladeira e fazer uma cópia da chave pra você. Pode chegar à hora que quiser e não precisa bater antes de entrar. Aliás, não precisa nem ir embora, pode ficar por aí. Pode trocar os canais da TV, pode escolher o filme no cinema e não precisa pagar a conta no final. Eu pago, viu? Pode entrar no quarto e mudar as roupas de lugar, pode mexer nos meus papeis e bagunçar os documentos. Pode trocar a temperatura do chuveiro e usar minha escova. Eu deixo. Na verdade, te peço. Suplico. Fica do meu lado quando chover. Fica aqui quando o chão sujar, quando o domingo for longo e a programação da televisão horrível. Não sai daqui nem se lhe gritarem lá fora, fica aqui comigo e me lembra de quando você chegou, me explica porque foi embora e não me deixa dormir sem te contar porque te pedi pra voltar. Me ensina outra vez pra qual time a gente tem que torcer e porque o gol foi impedido. Escuta de novo as minhas perguntas bobas e olha: eu já sei ...

O adeus que eu nunca dei

Fechei a mala pela décima vez. Sou péssima em terminar as coisas, que fique claro de primeira. Não consigo terminar nenhum poema, tremo ao terminar relacionamentos e é por isso que terminar de arrumar a mala é sempre um serviço árduo. Talvez me seja complicado não só pelo trabalho em si: rolar um zíper pelo pano desbotado não exige tanta força. Acho que fechar malas é difícil por causa do que está por trás - a despedida. E, meu caro, se existe uma coisa impossível ao ser humano, devo apontar que despedidas são impossíveis a mim. Olhei no relógio. Os dias ficam mais corridos quando a mente não para no lugar. Acho que o grande problema da humanidade está dentro daquilo que não é dito.  Amaldiçoadas sejam as palavras que não saem. Arrependi-me de todas as frases que montei na mente e que não fui forte o suficiente para colocar pra fora. Arrependi-me mil vezes de ter ouvido a música e não ter cantado junto. Você ficou parado ao pé da escada enquanto eu rolava minha mala ...

A insustentável leveza do ser

"Desde sua mocidade, não fazia outra coisa senão falar, escrever, dar cursos, inventar frases, procurar fórmulas, corrigi-las, de maneira que as palavras nada mais tinham de exato, o sentido delas se apagava, perdiam seu conteúdo sobrando apenas migalhas, partículas, poeira, areia, que flutuava no seu cérebro dando-lhe enxaqueca, e que era sua insônia, sua doença. Teve então a vontade confusa e irresistível de uma música enorme, de um barulho absoluto, que englobaria, inundaria, esmagaria todas as coisas, que anularia para sempre a dor, a vaidade, a mesquinharia das palavras. A música era a negação das frases, a música era a antipalavra." A insustentável leveza do ser - Milan Kundera

Alô, Marisa!

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" Eu aprendi com a primavera a ser cortada e voltar sempre inteira " Cecília, sempre linda. Ô, moço! Deixa eu, moço! Deixa eu meio aos avessos, meio assim, meio assado. No meu mundo, do meu jeito, com meu gosto! Deixa eu, moço! Que faço não porque quero, mas porque sou! E sou o que a vista alcança, o nariz cheira, a mão encosta. Sou até o que não foi escrito, sou o verso que não saiu, a rima que não deu certo, o fogo que não pegou! Então deixa eu, viu, moço?! Que sou breve ao olhar de quem não vê e sou sempre demorada, arrastada, meio trôpega, pra quem quer enxergar. E não venha com ideologias, moço, nem você, minha senhora, que não sou para analisar. Não quero filosofias, nem explicação, nem nada que siga um curso de lógica! A existência está contida no indefinível, em tudo o que o amar tem de inimaginável! Então vem, viu?! Ou me aceita, ou me deixa, moço, que isso aqui é uma explosão! E sou esse constante não estar estando, o não fazer fazendo, tudo o que o se...

Fumaça e cheiro de mato.

Abriu a boca por um instante e balbuciou alguma coisa. Nenhum som foi ouvido, entretanto. Só o ruído do vento dançando pelo ar e enchendo todos os espaços que se fizeram vazios por tanto tempo. Na mão esquerda, seringa e soro. Na direita, fotografias que a lembrança fizera questão de esconder. E tudo o que não ficou, e tudo o que não sobrou, voltava neste instante. Endurecera-se com o concreto, adoecera com as horas no relógio. Inclinou a cabeça e olhou para o céu. Engraçado como o passado é bonito e grita alto! Uivou furtivamente mais uma vez o vento frio. E então veio a neblina. Inclinou a cabeça e, em um sorriso, desapareceu. O que se fizera fosco, curioso, agora era brilho. Adormeceu. ("Eu não devia te dizer mas essa lua mas esse conhaque botam a gente comovido como o diabo", como já diria Drummond.)

Let's have the time of our lives!

     Querer é não se esvair de tentar.      Perdoar é não se findar de amar.      E amar, amar mesmo, é um incansável agradecer.      Pedir é o caminho que cega o agradecer, é o que cobre o realizar.      Pedir é o problema - o grande e abominável problema do mundo todo.      Solucionando, então. Obrigada. De verdade. Por terem feito dar certo, mesmo que indiretamente. Por ter sido bom, mesmo que completamente diferente. Por tudo e por nada - é sempre bom usar antítese.      E sabe qual é a mágica? O Sol nasce todo o dia. Brota do horizonte e logo após um beijo dá n'outra ponta para que tudo possa descansar - e acordar de novo. E se fazer o novo. Re-criar, re-estar.      É sempre vida nova e ela se faz todo dia.      Por que não realizar?, s e estamos todos aqui, se somos todos agora?      Obrigada, mais uma vez. Valeu a pena. Cad...

É chegada a vida nova.

Olhe-se no espelho. Vai. Anda. Para tudo e olha. Gostou do que viu? Lembre-se de tudo o que já passou. Vai logo! Pensa. Gostou do que lembrou? E quantas vezes você sorriu? Elas superam as vezes que chorou? E quantas vezes caiu? Levantou-se em seguida? Ainda está caído? Como vai a família? Tem ligado pra eles? E os amigos? Ainda estão lá? Você ainda está lá para eles? Ainda os empresta os ombros? Ainda tem ombros a quais recorrer quando a saudade aperta? E o cheiro do verão? Ainda se lembra dele? Vai, tira esse relógio do pulso. Esquece que dia é hoje. Números, apenas. Esquece seu cartão, tira da memória a placa do seu carro. E aí? Gostou? Está mais leve? Qual sua cor favorita? Qual é o sorvete que você mais gosta? Quando foi a última vez que abraçou alguém? Abre o armário. Mas abre rápido! Antes que seja tarde. Joga isso tudo no chão. Quem é você agora? Qual a última doação que fez? Ajuda que prestou. Quando foi? Você já ...