Ode ao salto agulha


O problema não era a unha do dedão meio descascada no cantinho esquerdo. Talvez o problema fosse a ponta dupla do cabelo e a hidratação que ficou por fazer - mas acho que não. O erro não estava no pneuzinho da cintura. Academia semana que vem, prometo! Talvez fosse a TPM.
E a conversa no ônibus daquelas duas moças de salto fininho. Você vai pedir pra voltar? Lógico que não, né, amiga? Onde já se viu? Mulher correr atrás de homem?! Ele que venha atrás... Isso aí, querida, porque você sabe; vai que ele se acomoda e aí já viu, né? Pois é, vou ficar igual a Marcela, que vai atrás do namorado em todos os cantos. Tem que se dar o valor!
O problema devia ser o calor. O problema talvez fosse a porcaria do celular que não quer colocar aspas e o texto que sai meio pulando pra fora e as coisas na cabeça o trabalho da faculdade a falta de virgulas a falta de acentos a sobra de preguiça o almoço corrido o nao que ouviu semana passada a menstruaçao atrasada cade os acentos do meu celular?
Será que era o tráfego? Caramba de engarrafamento! Como é que eu vou chegar em casa desse jeito? Até parece que o dia foi fácil. Essa espinha que não quer sair...
Mas o problema não era nada disso. Ele não ligou. Ela havia conferido o telefone 3 vezes naquele guardanapo e não tinha escrito errado. E ela disse as coisas certas! Ela dançou direitinho. Não saiu do salto. Não bebeu demais. O penteado não desmanchou. Ela riu da piada. O beijo foi bom (aliás, delicioso - "bom" é suavizar o problema, vai vendo). Elogiou o perfume. Foi elogiada. E ele ainda não ligou. Sexta-feira. Não tem planos. Mas é claro...
Coitada da Marcela, né, amiga? Fica toda apaixonada, toda atrás, mandando mensagem, chamando pra ir junto pra balada. Ah, nem me fale que só de ouvir já me dá nos nervos! Quem é que leva namorado pra balada? Aliás, quem é que fica nessa função toda por um cara? Hahahahahahahahahahahaahahahahahahahahahah - riem as duas atrás dela.
Ficou pensando na tal Marcela que ligava pro namorado. Pensou nas duas moças do salto fininho que não ligavam. Lembrou do telefone que não havia tocado até hoje... Só mais dois pontos e aí eu chego. Respira. Respira. Respira. Não borra o rímel. Calma. Respira.
Será que o número ainda tá comigo? Tá sim. Tá aqui. Ai meu deus ai meu deus ai meu deus ai meu deus. Telefone tá tocando. Não é ele. Não atende.
Sabe a maior da Marcela? O namorado tomou chá de sumiço esses dias e ela, adivinha?! Foi atrás? É lógico! Ela só sabe fazer isso. 
Nossa, mas que saco também, hein? Coitada da Marcela. Até ela já estava brava. Não com a Marcela, mas com as duas. Que saco! E se a Marcela quiser ligar pro namorado? Deixa ligar! Melhor do que essa aí que pelo visto tomou um pé na bunda... Ai. Respira. Respira. Fica calada. Não fala nada. Não aguento. Vou ter que falar.
E aí sim. Agora sim o problema foi a TPM. A menstruação atrasada e a dor de cabeça e a unha descascada e o cabelo quebrado e o telefone mudo. Agora sim o problema foi tudo isso. Virou-se pra trás. E veio tudo, tudo isso, até o pneuzinho na cintura, tudo foi saindo pela garganta e falou até babar e o batom começar a querer borrar. E vocês não têm nada a ver com essa Marcela! Deixa a menina ligar pro cara que ela quiser e chamar pra balada! Melhor que vocês aí, suas... suas... suas... encalhadas! E sabe o que eu vou fazer agora? Eu vou chegar em casa. Vou ligar pr'aqule idiota que ainda não percebeu o quanto eu esperei o telefonema dele. Vou ligar, sim. E vou falar o que der na telha e vou chamar pra sair. E aí se vocês vão me achar boba? Eu é que não gasto mais a minha tarde nesse ônibus fedorento.
E aí não acreditou no que tinha feito. Voltou-se para frente. As duas mais quietas que seu telefone sem tocar. 
Cumpriu o que disse. Desceu do ônibus. Ligou pro cara. Passou batom vermelho. Calçou o salto do tamanho que quis. Problema é dele.

E, meus caros, até hoje eu não ouvi falar de alguém que tenha dançado mais numa noite só.

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