Para vovó Meiry

Não sei ao certo de onde vem os sentimentos. O lirismo prega que é do coração, mas a ciência diz que é do cérebro. De qualquer maneira, o meu depósito de feelings estava muito carregado. Cheio de amargura, tristeza, lembranças ruins.
Mas aí me lembrei de uma moça - na verdade, uma senhora -, que acreditava que todos os problemas se resolviam com uma mistura mágica: água e detergente. Lembro-me de passar horas observando o quanto ela se divertia soprando bolinhas de sabão da varanda. Do quanto ela ria junto do papagaio e das samambaias, quando alguma bolinha sem querer voltava-se contra ela e se estourava na pontinha de seu nariz. Nunca entendia o motivo de tanta graça, de tanto riso.
Não até agora.
Porque hoje eu resolvi imitar.
Mandei, com cada sopro, todas as minhas lembranças ruins, todos os meus motivos de choro, todos os meus medos, minhas agonias. Mandei para o infinito todo o meu passado ruim. Joguei para o céu todos os meus erros, todos os meus arrependimentos, todas as minhas falhas. Esqueci todos os meus preconceitos, todas as minhas opiniões mal formadas, todos os meus desmazelos.
Comigo, me orgulho a dizer, ficaram só as coisas boas. Só minhas pequenas (e também as grandes) alegrias. Só minhas seguranças, meus pontos de apoio. Só minhas lembranças boas, minha harmonia interior. Guardei comigo, dentro do meu depósito, apenas o que me convém. E não vou admitir nenhuma troca, não vou abrir mão do que me é proveitoso.
E sabe o que fiz? Mandei para o espaço também o meu coração. Não porque não o quero mais, muito pelo contrário: ele só precisava de paz. Precisava voar. Já libertei muita gente, todos os que eu havia trancafiado dentro do meu peito, e mesmo quando não queriam estar lá, eram forçados a permanecer. Mas depois de libertar todos eles, libertei também o meu amor. Libertei minha esperança. Soprei ambos para bem, bem longe, porque eles precisam flutuar, eles precisam viajar.
Mandei uma bolinha de sabão para cada amigo, duas para cada paixão. Três para cada ente querido e todas as outras mil, eu soltei por aí. E ainda soltarei mais, muito mais. Porque minha alma clama por liberdade, e ainda tenho muito amor aqui dentro para libertar.
Neste exato momento, tenho a mais pura e certa de todas as certezas, que minhas bolhas vagam por aí. As amarguradas, pesadas, já caíram. E caíram bem longe de mim; foram amolar o depósito de sentimentos de outra pessoa, alguém que ainda não descobriu a magia das bolinhas de sabão. Porém, as boas, leves, coloridas como o arco-íris, continuam a dançar pelo vento, alegrar os olhos de quem observa.
E, tenho certeza, ainda irão cair na pontinha do nariz de alguém que esteja a espera. E quando isso acontecer, eu darei um sorriso e direi: não é refrescante o sabor da alegria? Porque é, mesmo. E eu vou continuar sentindo-o, por todas as estradas que caminhar, mesmo elas sendo tortuosas. Porque eu tenho minhas bolinhas de sabão.

Obrigada, vovó Meiry, por me mostrar tantas coisas com tão simples gestos. Você é incrível, e eu estou com você. Um beijo!

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Comentários

  1. acredito muito nisso por já ter feito várias vezes :)

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  2. acredito muito nisso por já ter feito várias vezes :) [2]

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  3. Carol, A gente complica muito.... nada como ser leve como uma bolinha de sabão. Sair vagando, dançando, refletindo luz. Melhor ainda quando podemos rir disto. A vovó Meiry ja sabia.... Beijo

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  4. Ai, filha.... Te vi mesmo numa tarde, na hora do meu intervalo, na varanda, soltando as bolinhas de sabão! Achei que estava ficando doida.... Agora vi o qto isso foi uma experiência única!
    As bolinhas da vovó e as suas são especiais... voam para longe...

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